18 novembro 2006

NEWSLETTER 11.2006 - Entrevista a Adulai Indjai (Guiné-Bissau)

Oito Desafios ao Mundo (ODM): Pode explicar-nos a situação actual dos ODM na Guiné-Bissau (GB)?
Adulai Indjai (Adulai):
Como é do conhecimento mundial, a GB consta da lista dos países mais pobres do mundo, pelo que tem de constar do projecto ODM. Posso afirmar que a sua implementação está sendo feita de uma forma muito menosprezada. O primeiro dos ODM é combater a fome, a miséria, mas, no caso da GB, a fome ainda faz parte do quotidiano. Quem não tem fome? É a minha questão. A resposta é esta: todos têm!
A GB devia estar engajada com seriedade na implementação dos ODM, mas ainda estamos naquela fase primária da informação e sensibilização das autoridades e actores do desenvolvimento. Mesmo assim, há pouca gente que sabe o que são os ODM. Podemos dizer que, passados seis anos, a GB ainda não conseguiu sair desta fase teórica para a fase prática do processo. A recolha dos dados e dos indicadores ainda está aquém das expectativas, o documento do plano nacional para os ODM está ainda na fase da discussão e também falta a publicação dos relatórios sobre as actividades que estão sendo desenvolvidas pelos actores do desenvolvimento.

ODM: Quais os objectivos específicos do seu trabalho em relação aos ODM?
Adulai:
Trabalhar em prol do desenvolvimento do meu país foi sempre um desafio enorme para mim como homem e como cidadão de África, porque a minha luta reside essencialmente em fazer com que haja no meu país e no continente africano a erradicação total da miséria e da fome (ODM 1) como também da ignorância, mas tudo isto tem que passar por um único processo: o investimento em formação dos recursos humanos africanos, especialmente das mulheres (ODM 2 e 3), como forma de poder contrariar a promoção da incompetência e da corrupção existente na classe dirigente africana e, em especial, no meu país.
O meu trabalho na equipa da ONG INDE, no escritório de Bissau, foi sempre estender a mão a quem precisa do nosso apoio. Com o projecto “Crianças Trabalhadoras das Ruas de Bissau”, conseguimos desempenhar o nosso papel na área da educação, apoiando mais de mil crianças com apoio escolar a 100%. Quando digo 100% quero dizer que o apoio às crianças começa na inscrição numa escola, passando pela compra dos uniformes e dos materiais escolares, sem esquecer a vigilância e o apoio pelos animadores. Também no âmbito da saúde, desenvolvemos campanhas de sensibilização sobre as diversas áreas, começando pela saúde pública e pelo VIH/SIDA e pela malária (ODM 6).
Temos também um programa radiofónico que aborda diferentes assuntos ligados à defesa dos direitos das crianças em diferentes aspectos, embora o nosso trabalho não incida somente nas crianças, mas sim em toda a sua família.
Na Rádio Jovem há ainda um espaço de informação e de formação da opinião pública, no sentido do seu envolvimento no processo da edificação da nossa querida terra GB. Temos um programa, a Voz da Juventude para os ODM, que é produzido e apresentado por mim. Este programa tem como objectivo informar e esclarecer a população da GB sobre o que são os ODM, o que a comunidade internacional pretende fazer e debater o que é que cada um de nós, enquanto indivíduo e membro da comunidade, pode fazer para os atingir. Pretendemos promover a mudança de comportamentos e o envolvimento da população no desenvolvimento do país e dar a conhecer ao público em geral (nacional e internacional) as acções que a GB e os seus parceiros estão a fazer para atingir os ODM. O nosso programa conseguiu despertar na sociedade a expressão “ODM”. Como disse, há um grande défice de informação em relação a esta questão. Mas confiantes no nosso trabalho, que é criar uma opinião pública firme na luta contra a pobreza e preparar o povo para os desafios do milénio, trabalhamos para mudar o nosso país e, se for necessário, o mundo, com as nossas palavras e ideias. Não basta somente ter dinheiro para fazer mudanças especiais no mundo, mas sim ter a vontade e convicção de que és capaz de fazer algo, como acontece no vosso projecto ODM – Oito Desafios ao Mundo.

ODM: Quais os projectos, actividades e medidas já em curso em GB em relação aos ODM?
Adulai:
Existe uma certa vontade política para a execução dos projectos ligados aos objectivos. O nosso governo elaborou nos anos 90 um documento denominado DENARP (Documento Nacional para Redução da Pobreza) e neste documento estão enquadrados os projectos para a execução e implementação dos ODM. O DENARP é peça fundamental para a Mesa Redonda que vai ser realizada em Genebra nos dias 7 e 8 de Novembro. O custo da sua execução é de 441 milhões de dólares, sendo que o nosso governo necessita de 355 milhões da comunidade internacional.
No que concerne a actividades e medidas já em curso, garanto-vos que estamos ainda na fase teórica, de produção de documentos e realização de conferências. Os VNU na GB, em colaboração com o PLACON-GB (a Plataforma das ONGs na GB), estão a levar a cabo uma campanha de informação e sensibilização sobre os ODM. Além disso, há várias entidades públicas, privadas, não-governamentais e religiosas que estão levando a cabo diversas actividades em diferentes áreas de intervenção que incidem nos ODM. Por exemplo, a ONG Céu e Terra trabalha com as pessoas seropositivas e a REJE trabalha com crianças vulneráveis.

ODM: Os guineenses, sobretudo as mulheres, envolvem-se nestes projectos?
Adulai:
Quem não tem oportunidade deve criar. Posso afirmar que as mulheres são mais activas. O problema é que a sua actuação é meramente no campo informal, devido ao alto grau de analfabetismo feminino.
O sector comercial informal do nosso país é totalmente dominado pelas mulheres. De uma forma geral, as mulheres são hoje a fonte de rendimento das famílias guineenses. A mulher guineense está, de facto, revelando as suas capacidades organizacionais. Em diferentes aldeias, e mesmo em Bissau, vê-se um número considerável de mulheres reunidas em associações para a defesa dos seus direitos em diferentes áreas, sobretudo na educação, combatendo o ciclo de pobreza intelectual em que foram colocadas pelos seus encarregados da educação.

ODM: Acha que os ODM contemplam todas as necessidades de desenvolvimento?
Adulai:
Não podemos passar pelos mesmos caminhos que os outros (os países ricos) passaram. Devemos ter a nossa própria estratégia para ultrapassar os obstáculos do subdesenvolvimento. No caso da GB, posso dizer que os ODM não contemplam todas as necessidade de desenvolvimento, porque o nosso país consta na lista dos país mais pobres do mundo, onde falta tudo e mais alguma coisa. Nós não estamos apenas perante problemas de saúde, educação, igualdade entre homens e mulheres, etc. O nosso país necessita de quase tudo, porque não temos nada.
De acordo com o Relatório Mundial do Desenvolvimento Humano de 2005 do PNUD, a GB foi considerada um país absolutamente prioritário, que necessita da mobilização de um conjunto de parceiros de desenvolvimento a seu favor na sua luta contra a pobreza, mas a nossa classe política não soube enquadrar o trabalho de luta contra a pobreza com o processo político.
Nos últimos anos, o nosso país ficou conhecido como um “país do factor I”, o que significa um país caracterizado por Instabilidade Política, Instabilidade Social e Instabilidade Económica e isto representa um factor enorme de bloqueio à implementação dos ODM, para não falar do alto grau de corrupção no meu país e no continente africano em geral.
Como é meu hábito dizer no programa radiofónico, África necessita de 16 ODM. Quem já sofreu tanto com o processo da colonização europeu e ainda hoje está sofrendo nas mãos dos colonialistas africanos necessita não só dos 8 ODM, mas sim de 16 ODM! ODM a acrescentar aos 8 que temos, seriam, por exemplo, a luta contra corrupção, o fornecimento de formação de qualidade para a classe política e a construção de infra-estruturas sociais e da comunicação.

ODM: Quais os resultados obtidos, até a presente data, na prossecução dos ODM em GB?
Adulai:
Relativamente a esta questão, não posso responder assim com certeza. Como apresentador de um programa radiofónico, ligado aos ODM no meu país, nunca consegui falar com o departamento dos ODM do nosso país, que funciona no Ministério do Solidariedade Social e Trabalho, não por falta de vontade nossa, mas devido à falta de disponibilidade por parte dos responsável por este departamento. Por causa deste “bloqueio”, não posso falar dos resultados porque não tenho indicadores da evolução do processo.

ODM: Qual o papel de Portugal nos ODM e qual tem sido a sua intervenção na GB?
Adulai:
O papel de Portugal no processo do desenvolvimento da GB vem desde há muitos anos, mas não podemos esquecer que Portugal tem por obrigação contribuir no processo da edificação deste país, pois foi o seu colonizador. Portugal tem ajudado muito o nosso país, por diversas formas, na busca de um caminho ideal para o seu desenvolvimento. Soube há pouco tempo que Portugal disponibilizou este ano uma linha de financiamento de quase um milhão de euros para a GB, no âmbito da cooperação com as ONGDs, mais um passo importante na área da Cooperação para o Desenvolvimento.
Contudo, tenho uma crítica a fazer em relação à cooperação existente entre Portugal e alguns país da lusofonia. Na GB e em São Tomé, por exemplo, os Centros Culturais Portugueses foram encerrados para dar lugar ao Serviço de Informação do Estado Português. Questiono-me: como é que se pode ensinar uma pessoa a pescar sem anzóis? No meu país, onde não existem livrarias, fechar bibliotecas que servem de balão de oxigénio à classe estudantil e retirar livros aos professores não é brincadeira. Aproveito esta oportunidade para pedir ao Governo Português que retome os serviços do Centro Cultural Português em Bissau.

ODM: Considera os ODM atingíveis?
Adulai:
Acho impossível. Não estou sendo pessimista, mas comparando a realidade que se vive com este programa tão ambicioso, acho que não é fácil atingir estas metas até 2015. Da maneira como o mundo vai, fica cada vez mais difícil… Agora, a comunidade internacional está mais apostada em combater o terrorismo das armas, em vez de combater o terrorismo da miséria e da fome que causa milhões de mortos nos países do Sul. Mas devemos ser persistentes, porque este processo não depende só de dinheiro, mas sobretudo da vontade de cada um de nós. Não devemos nunca poupar esforços para a materialização destes objectivos. Só por este caminho vamos poder combater todos os males existentes no mundo.