03 janeiro 2007

As Armadilhas da Pobreza

A questão da pobreza, em alguns países, não se limita à banal justificação de que essa pobreza resulta de um governo corrupto e, até, de culturas "retrógradas" que inibem o desenvolvimento. A questão vai muito mais além, é muito mais profunda e complicada.
Segundo Jeffrey Sachs (Director do Earth Institute - Columbia University - e Conselheiro do ex-Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, para as questões do Desenvolvimento), há 8 tipos de problemas que podem causar a estagnação ou o declínio de uma economia e parar o processo de desenvolvimento.
1. A Armadilha da Pobreza – quando a pobreza é extrema, os pobres não têm a capacidade para combater esse cenário por ele próprios, na medida em que falta praticamente tudo: estradas pavimentadas, energia, canais de irrigação, capital humano com efectiva capacidade de produção (saudável, nutrido e letrado), bem como capital natural em condições de ser explorado. Quando uma comunidade se encontra destituída destes factores, é difícil sobreviver mas, sobretudo, produzir e crescer economicamente, uma tarefa que sem ajuda externa é praticamente inatingível. Os mais pobres dos pobres não têm capacidade de poupança e, desta maneira, acumular capital que os permita saltar para outro estado de desenvolvimento.
2. Geografia – Alguns dos países mais pobres do mundo (Bolívia, Quirguistão ou o Tibete) não possuem recursos naturais, bons solos, pluviosidade, rios navegáveis e acesso ao mar. Muitos destes países têm um solo demasiado acentuado ou árido que não beneficia nem a agricultura nem a construção de vias de comunicação e não têm acesso a rios navegáveis nem ao mar, sendo penalizandos com custos de transportes elevados. Por outro lado, nos trópicos o clima favorece doenças como a malária (um dos principais factores que contribui para o subdesenvolvimento na África subsahariana) ou a febre de dengue. Contudo, estas condições não são fatais para o desenvolvimento económico de um país, são precisos sim, investimentos extra que os próprios Estados sozinhos não conseguem fazer.
3. Sistema Fiscal – muitas vezes, para além da actividade privada inexistente, também o Estado não possui capacidade financeira para apostar no investimento e na criação de infraestruturas: é impossível taxar uma população já de si empobrecida, o próprio Estado é corrupto ou incapaz ou, então, o peso da dívida externa é tão grande que é impossível investir internamente ao mesmo tempo, perpetuando-se o clima de pobreza.
4. Falhas de Governação – para que ocorra desenvolvimento económico, o Estado e as suas instituições têm de estar igualmente orientados para o desenvolvimento. É necessário identificar e financiar os projectos prioritários, criar condições propícias ao investimento, manter a credibilidade do sistema judicial e assegurar um clima de paz e segurança que estimule a confiança no futuro. Quando um Estado é incapaz de funcionar nestes termos é designado de “Estado falhado”, caracterizado por guerras, golpes de Estado e anarquia e onde, obviamente, também a economia e o desenvolvimento não prosperam.
5. Barreiras Culturais – Normas culturais ou religiosas podem ser um obstáculo ao desenvolvimento. Se estas normas, por exemplo, dificultam o desempenho activo das mulheres, não lhes reconhecendo direitos e educação e recusando-lhes poder económico, metade da população fica automaticamente de fora do processo de desenvolvimento que, somado aos idosos e às crianças, reduz drasticamente o capital humano em condições de produzir.
6. Geopolítica – A imposição de barreiras ao comércio ou sanções económicas a um determinado país reduz a sua capacidade de crescimento económico, sendo que os principais prejudicados são as populações.
7. Falta de Inovação – Nos dois últimos séculos, o fosso tecnológico entre ricos e pobres agravou-se enormemente. Nos países ricos, a reacção é em cadeia: um grande mercado que incentiva à inovação, cria novas tecnologias, gera produtividade e expande o tamanho do mercado que volta a exigir mais inovação e tecnologia. Neste aspecto, a China e a Índia vão-se consolidando, não só através dos seus próprios “cérebros” mas também através de investidores estrangeiros que trazem até eles novas tecnologias.
8. Demografia – Se nos países mais avançados se assiste a um decréscimo dos índices de natalidade, nos países mais pobres este índice aumenta. Para além de uma clara falta de planeamento familiar e de saúde reprodutiva, os elevados índices de natalidade empurram estes países para uma maior pobreza: as famílias não conseguem oferecer a todos os seus filhos cuidados de saúde básicos, nutrição nem educação. Tal como o índice de natalidade é elevado também é o de mortalidade.
Sachs defende que cada caso é um caso, que cada país tem as suas especificidades e antes de canalizar fundos irracionalmente, há que fazer um levantamento das necessidades mas também das potencialidades do país. Um bom diagnóstico, tal como em medicina, é crucial.
Sachs, Jeffrey, "The End of Poverty", Penguin Books, 2005, págs. 56-66